quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Odonto-oncologia SEMPRE exige tratamento individualizado!


Existem os guidelines, os livros e artigos para orientar o tratamento, mas muitas vezes nos deparamos com situações em que a decisão não está no livro. Temos sempre que levar em consideração nossa experiência no manejo desses pacientes e as informações da anamnese sobre o tratamento oncológico realizado e fatores individuais do paciente, para essa difícil tomada de decisão. 
Esse paciente reunia duas das maiores preocupações na odonto-oncologia: alto risco de osteonecrose dos maxilares e de infecção. Ele precisou começar a quimioterapia com urgência e o tratamento com uma potente droga antirreabsortiva para metástase óssea. E após ter feito a primeira aplicação ele me procurou pela primeira vez, dizendo que  havia realizado implantes dentários há alguns meses e agora precisava fazer as aberturas dos implantes com seu dentista.
 E agora? Decisão difícil, pois uma cirurgia após o início da quimioterapia e do ácido zoledrônico poderia provocar atraso na cicatrização e também osteonecrose, porém a prótese total provisória que ele estava utilizando também trazia um risco elevado de provocar essa complicação. E quanto mais esperássemos, maior seria a chance de ocorrer osteonecrose, pois maior seria a incorporação óssea do bisfosfonato. Pensamos a longo prazo e resolvemos seguir com as aberturas dos implantes, com antibioticoterapia e todos os cuidados pré, trans e pós-cirúrgicos - uma decisão conjunta entre médico, odontologia e paciente, que foi muito bem orientado quanto aos riscos e todos os cuidados. A cirurgia de abertura foi realizada pelo implantodontista, com sucesso. Porém, após alguns dias, houve o início de uma pequena peri-implantite em torno de 2 implantes, com uma cicatrização mais lenta, devido à quimioterapia e droga antirreabsortiva. Resolvi realizar a Terapia Fotodinâmica Antimicrobiana (aPDT). Com apenas uma sessão houve cicatrização completa da gengiva. O paciente seguiu o tratamento e já instalou a prótese definitiva! Sabíamos que havia um risco de complicações, devido à quimioterapia e ao uso da medicação antirreabsortiva, mas nesse caso o risco de ficar com uma prótese total e fazer a abertura dos implantes posteriormente trazia um risco ainda maior. Como sempre, cada caso é um caso. 
Mais uma vez, destacamos a importância da individualização do tratamento e das decisões em conjunto com a equipe médica. Até o próximo post!

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Qual o melhor momento para o tratamento odontológico do paciente oncológico?

Essa é uma questão extremamente importante, pois durante o tratamento do câncer o paciente pode ter neutropenia e trombocitopenia severas, seja pela doença ou pela quimioterapia, então não é a qualquer momento que podemos intervir. É sempre necessário conhecer bem a doença de base, o esquema de quimioterapia do paciente, as drogas utilizadas e as suas comorbidades, por isso precisamos estar com o prontuário médico em mãos, com todas essas informações atualizadas (os protocolos podem mudar durante o tratamento). Precisamos conhecer a curva de imunidade esperada, saber se as drogas provocam neutropenia importante e quando é o período de nadir celular do seu protocolo (período de menor imunidade), se é esperado queda de plaquetas, qual o intervalo das medicações e datas dos ciclos. Conhecendo todos esses dados, poderemos saber qual o melhor momento para solicitar um hemograma e planejar o tratamento odontológico com segurança, tomando todos os cuidados necessários para o tratamento, de acordo com cada paciente. Só um hemograma do dia (ou do dia anterior, muitas vezes) vai nos dar a segurança de atendimento, não adianta ver um hemograma que foi colhido há vários dias, pois os parâmetros mudam durante todo o ciclo.
E se não estiver bom, como nesse caso onde o paciente veio para fazer restauração, estava no momento ideal do ciclo de quimioterapia (na véspera de iniciar o ciclo) e apresentava 8,4 de hemoglobina (anemia), 117 de segmentados (neutropenia) e 4 mil plaquetas (trombocitopenia)? Nesse caso não posso fazer tratamento odontológico! Há risco extremo de sangramento e infecção, qualquer intervenção poderia coloca-lo em risco. Devemos orientar o paciente quanto aos cuidados e entrar em contato com o oncologista imediatamente. Por isso, mesmo para uma profilaxia dental ou um procedimento simples, devemos sempre ter o hemograma recente em mãos.
Algumas vezes precisamos realizar fotobiomodulação ou terapia fotodinâmica antimicrobiana, entrar com antibiótico, antiviral ou antifúngico, em caso de infecção, mas isso é assunto para outro post! 😉

domingo, 17 de novembro de 2019

Posso tratar pacientes oncológicos?


Muitos cirurgiões-dentistas me fazem essa pergunta. 
Vou dar aqui minha opinião pessoal a respeito. 
Sim, o dentista pode e deve cuidar do paciente oncológico, temos muito o que fazer para ajudar a prevenir e tratar as alterações bucais que ocorrem nesses pacientes. Eu geralmente respondo com algumas perguntas:
- Você tem afinidade por essa área de atuação?
- Você está capacitado para esse atendimento, com cursos de formação?
- Você está capacitado para tratar as intercorrências potencialmente fatais que podem acontecer nesses pacientes?

- Você acha que tem preparo emocional para esse atendimento?
Assinale todas as alternativas acima e você estará sim apto a esse atendimento! Vamos falar um pouco mais sobre cada um desses aspectos:

·       📌Afinidade é algo natural, não adianta forçar a barra – geralmente durante a graduação nossas afinidades já vão surgindo e vamos nos apaixonando por alguma área – vá por esse caminho, que vai dar certo! Onde tem paixão, tem dedicação, tem estudo, tem comprometimento! E é preciso ter toda essa garra para ter persistência, pois os resultados demoram a vir, é preciso ter paciência para colher os frutos, como em qualquer outra área de atuação. É preciso ter paixão para ter envolvimento com a área, para dedicar noites de sono e de estudo para tentar buscar uma solução para o problema daquele paciente! E isso a gente faz com muito gosto, quando amamos o que fazemos.

·       📌Capacitação você adquire com muito estudo, leitura de artigos científicos e livros, palestras, cursos de atualização, residência, mestrado, doutorado. Aqui entram várias opções. Lembrando que a capacitação também envolve conhecimento do tratamento médico oncológico – conhecimento das medicações e terapias usadas, que mudam o tempo inteiro. E SEMPRE envolve habilitação em laserterapia, pois usamos essa terapia com muita frequência, para tratamento desses pacientes.  
    📖Comece durante a graduação, assistindo a palestras sobre esse tema, em congressos, simpósios, encontros. Procure fazer estágio em algum hospital de referência em oncologia, durante suas férias. Assim você já pode começar a conhecer a área e verificar se é mesmo esse caminho que deseja seguir. 
     📖Ao se formar, existem cursos de capacitação de pequena duração que podem lhe dar uma base para direcionar seu estudo nessa área. Há bons cursos em excelentes hospitais, com um esquema de aulas uma vez por mês ou até EAD, que facilitam muito para quem mora longe desses grandes centros. Há também cursos de média duração que dão uma boa ideia do que você tem que saber para esse atendimento, como cursos de Habilitação em Odontologia Hospitalar (esses abordam outros pacientes sistemicamente comprometidos também, não somente oncologia, o que pode ajudar a ampliar suas oportunidades de atuação, caso deseje) e cursos multidisciplinares de Oncologia, que abordam a equipe multi e o papel de cada um na Oncologia. Você vai perceber que quanto mais você estuda, mais tem que estudar! Quem estuda bastante, vê que o atendimento não é simples, exige muito conhecimento, pois o risco desse paciente ter complicações é grande, e um atendimento errado pode lhe trazer sérias consequências. Por isso é importante se capacitar bem!
     📖Na minha opinião, para quem quer seguir especificamente na área de Oncologia, vale a pena fazer a Residência em Oncologia, pois acho o mais completo dos cursos nessa área. Na Residência em Odontologia Oncológica (com DOIS ANOS DE DURAÇÃO - por isso se chama residência!) você vai aprender sobre o manejo desses pacientes oncológicos e sobre Oncologia (cirurgia, quimioterapia, radioterapia, transplante de células tronco hematopoiéticas, terapias alvo e outras), sobre as complicações orais decorrentes desses tratamentos, sobre o manejo das intercorrências e complicações potencialmente fatais. A residência, na minha opinião, é o que hoje há de mais completo para essa capacitação e o que mais vai lhe dar segurança para a realização desse atendimento. De novo: MINHA OPINIÃO, com base nesses 20 anos de atendimento odontológico ao paciente oncológico. Funciona como uma especialização, onde você terá contato com os pacientes, verá como funciona o atendimento na prática, além de muita teoria.
📖E não vamos esquecer da Habilitação em Laserterapia, que é obrigatório para quem deseja utilizar o laser, uma exigência do Conselho Federal de Odontologia. Sabemos que muitas pessoas compram o laser e começam a fazer, sem habilitação, o que é uma irresponsabilidade. Fiz Mestrado em Lasers em Odontologia no IPEN/USP, em 2003/2004, e sempre reforço a importância de se estudar e capacitar muito nessa área, pois a fotobiomodulação é uma terapia que muito nos ajuda, mas é preciso conhecer os parâmetros para que possa ser usada com segurança e com bons resultados! De novo, sem conhecimento não há resultados positivos. Quando bem indicada e usada dentro dos parâmetros corretos, tanto a fotobiomodulação como a terapia fotodinâmica antimicrobiana são excelentes terapias auxiliares no atendimento ao paciente oncológico! Por isso, habilitação urgente! Esse curso é oferecido em diversas cidades do Brasil.

·      📌 Preparo emocional - muitas pessoas já identificam de cara que não conseguiriam lidar com a parte difícil do atendimento, como o sofrimento dos pacientes e as perdas, em todos os sentidos. Muitos falam que o ideal para fazer esse atendimento é não se envolver emocionalmente, mas eu digo que é justamente com envolvimento que fazemos um trabalho mais humano, porém é preciso saber lidar com tudo isso. Realmente não é fácil, e algumas pessoas só vão saber se conseguem realizar esse atendimento ao fazerem o primeiro contato com esses pacientes, durante os cursos. Mas o que posso dizer é que é uma área apaixonante, onde sentimos que podemos fazer uma diferença na vida desses pacientes, durante uma fase tão difícil de suas vidas, o que é muito gratificante. Choramos junto com eles, seja de tristeza quando algo não vai bem, seja de alegria e emoção quando eles estão muito bem! É sempre uma lição de vida.

💛Bom, essas são algumas dicas, mas siga seu caminho, de acordo com sua vontade e possibilidades. Não se compare a ninguém, cada um tem sua jornada, tem suas questões pessoais, tem seu leão pra enfrentar. Com persistência e dedicação, tudo vai dar certo! E o mais importante: curta a jornada!
  •     Palestras – são muitas, fique atento aos congressos e associações de dentistas da sua região (siga nas mídias sociais, para se atualizar sobre cursos).
  •    Hospitais que oferecem cursos nessa área: Hospital Albert Einstein, Hospital AC Camargo, Hospital Sírio Libanês, USP Bauru (FUNBEO), INCA – RJ, entre outros.
  •    Cursos de Residência em Odontologia Oncológica: Hospital das Clínicas (FMRP – USP), AC Camargo, Hospital de Câncer de Barretos, INCA RJ, Hospital Sírio Libanês, entre outros.

 No setor de ARTIGOS, veja sugestões de bons livros e artigos para começar sua leitura! Até o próximo post!💛

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Mucosite - ainda precisamos falar sobre isso!


Embora hoje já se conheça muito a respeito da fisiopatologia da mucosite provocada pelo tratamento oncológico, bem como sobre mecanismos de prevenção e manejo dessa afecção, essa ainda é a complicação oral mais temida em pacientes que passam por um tratamento de câncer. Isso porque, em alguns casos, a mucosite oral pode ser muito severa, trazendo dor intensa e dificuldade de alimentação, podendo levar à desidratação e desnutrição, trazendo debilidade física e emocional ao paciente e familiares. Quando chega a graus mais avançados, a mucosite pode inviabilizar a alimentação oral, sendo necessário o uso de sonda nasogástrica e muitas vezes hospitalização do paciente, havendo interrupção do tratamento antineoplásico, o que pode ter impacto no controle da doença e na sua sobrevida. Estima-se que pacientes com mucosite oral têm 5 vezes mais chance de desenvolver sepse durante o tratamento oncológico, pois as feridas extensas são porta de entrada para infecções oportunistas, justamente em períodos em que estão imunologicamente bem comprometidos. Há muita literatura sobre prevenção e tratamento das mucosites quimio e radio induzidas, com diversas propostas de manejo. Os guidelines são sempre atualizados, compilando o que há de mais atual e sedimentado na literatura. Os protocolos envolvem fotobiomodulação e outras medicações de uso tópico e às vezes sistêmico, sempre com o intuito de controlar o processo inflamatório, combater as infecções, acelerar a cicatrização tecidual e promover analgesia. A mucosite pode ser provocada por alguns protocolos de quimioterapia, radioterapia de cabeça e pescoço e algumas terapias alvo. Nem todos os medicamentos usados no tratamento do câncer provocam lesões de mucosite oral, por isso é muito importante que o cirurgião-dentista que trate pacientes oncológicos esteja atualizado sobre essas medicações, conhecendo as drogas usadas na quimioterapia, campo e dose radiação, para saber quando deve utilizar meios de prevenção e quando não será necessário. Sabendo que o paciente fará um protocolo estomatotóxico que traga risco de desenvolver mucosite oral ou de orofaringe, é muito importante que o dentista já inicie protocolos de prevenção, para que o paciente tenha mais controle dessa complicação e qualidade de vida. A fotobiomodulação ou laserterapia, quando bem indicada, é um recurso excelente para prevenção e controle da mucosite, junto com outras terapias. Sugiro alguns artigos para leitura sobre o tema e estou à disposição para ajudar, se houver alguma dúvida.
💛Nesses 20 anos de atendimento ao paciente oncológico, já preveni e tratei muita mucosite –  já tive muitas vezes a alegria imensa de ver pacientes se beneficiarem com as terapias e passarem por todo o tratamento sem conhecer essa complicação! 😃😃😃
E infelizmente já vi pacientes irem a óbito em decorrência de complicações de mucosite em grau avançado, o que muito me entristece😭😭😭. 
Por isso, colegas dentistas, vamos cuidar da mucosite! Ela ainda afeta muitos pacientes!
📌 Dica - sugestões de artigos sobre mucosite no setor ARTIGOS, não deixe de ler!

💛No próximo post vou falar sobre COMO SE CAPACITAR😷😷😷 para o atendimento ao paciente oncológico. Todo dentista pode tratar paciente oncológico? Sim, desde que esteja capacitado para tratar as complicações e todas as intercorrências decorrentes dos tratamentos. Aguardem novo post!💖💖💖